segunda-feira, 24 de março de 2008

Elite Política e Sistema Partidário Cabo-verdiano (I)

    As recentes movimentações políticas traduzidas em arranjos entre alguns sectores da elite política nacional, no quadro da preparação das eleições legislativas de 22 de Janeiro de 2006, trouxeram implicações importantes para o sistema partidário nacional, reforçando o quadro bipartidário. Veja-se os casos dos arranjos entre PCD e MpD, em Santiago, e entre PTS e PAICV, em S. Vicente, em que os principais líderes desses dois considerados pequenos partidos optaram por abrir mão da disputa eleitoral no quadro dos próprios partidos, para integrarem as listas do MpD e do PAICV, respectivamente. Entretanto podemos recuar um pouco mais e lembrar da queixa da UCID sobre a colusão, política e administrativa, “tacitamente urdida”, entre o PAICV e MpD para deixá-lo fora da disputa eleitoral de 1991. Para muitos, se a UCID tivesse entrado na corrida eleitoral daquele ano, a configuração parlamentar saída daquelas eleições inaugurais seria outra, que não bipartidária. Queremos salientar aqui que estes factos vêm demonstrar, mais uma vez, a importância e o papel das elites políticas na configuração do sistema partidário caboverdiano.

    Efectivamente, é interessante notar que o PCD e o PTS são os dois únicos dos pequenos partidos, com representação no parlamento caboverdiano, cada um com um mandato, na legislatura passada; mandatos esses obtidos através duma coligação eleitoral entre ambos, em 2001. Com a não participação dos mesmos, de forma autónoma, nas últimas disputas eleitorais, ficou reforçado o grau de concentração do nosso sistema partidário parlamentar, que se traduz num bipartidarismo, teimosamente polarizado.

    É certo que os chamados pequenos partidos (UCID, PCD, PSD, PRD, PTS), devido a alegada carência de recursos financeiros e humanos, sempre enfrentaram sérias dificuldades organizacionais. As limitações financeiras têm contribuído para retringir o grau de actuação e intervenção política desses partidos levando a que a performance eleitoral dos mesmos regrida em eleições sucessivas, com reflexo directo no montante do subsídio financeiro a atribuir pelo Estado. Entretanto, importa salientar que a capacidade e o vigor na acção e mobilização políticas não dependem somente de recursos financeiros; dependem, também, grandemente, da vontade e do interesse para o combate, por um projecto político, por parte dos líderes partidários. Em última instância, essas dimensões se incrementam mutuamente.

    Por um lado, esse recuo no desempenho eleitoral de alguns pequenos partidos tem colocado em causa as suas sobrevivência e manutenção nas competições eleitorais. Por outro lado, a participação intermitente e cada vez menos substancial desses partidos na competição eleitoral contribui para limitar o alcance do processo de institucionalização do sistema partidário, uma vez que se verifica que a maioria deles não consegue competir em todos os círculos eleitorais no território nacional e no estrangeiro. Em boa medida, estas limitações vêm fazendo com que os pequenos partidos actuem, cada vez mais, de facto, como partidos locais ou regionais, o que contraria a lei.

    É um facto que esses considerados pequenos partidos, pelo contexto e modo como surgiram, são, claramente, partidos de quadros, na acepção de Maurice Duverger, visto terem surgido da acção política no seio da elite política, cultural e empresarial nacionais. São partidos que surgiram em reacção a ou da cisão no seio dos dois maiores partidos, o PAICV e o MpD. Efectivamente, nos momentos em que foram criados esses pequenos partidos encontravam-se dotados, de um número e qualidade bastantes, de quadros que se acreditava serem capazes de fazer as respectivas máquinas politicas funcionarem. Porém, desde muito cedo não foram capazes de demonstrar vigor estratégico e organizacionais necessários para os fins a que se propuseram. Constata-se, além disso, que os trabalhos de reforço da militância e de mobilização popular ser quase inexistentes, entre esses partidos, o que acreditamos que contribui mais ainda para o definhamento eleitoral dos mesmos, bem como para a redução da credibilidade e legitimação na representação popular. Efectivamente, são partidos que aparecem com mais acutilância política nas vésperas das eleições.

    Entretanto, o fraco desempenho dos mesmos, particularmente do PCD e PTS, nas eleições autárquicas de 2004 terá dado às suas cúpulas sinais claros de que os respectivos mandatos no parlamento poderiam não ser renovados nas eleições legislativas de 2006. Este facto redundou em crise de liderança interna a esses dois partidos. Em consequência, surgiram especulações, sobre uma provável extinção desses dois pequenos partidos com posterior ingresso/retorno dos seus principais dirigentes nos dois principais partidos, nomeadamente PAICV e MpD. Esta acção revela, na realidade, um claro cálculo estratégico de procura de sobrevivência política (possibilidade de aceder a cargos), por parte das elites dirigentes desses dois pequenos partidos. Deste modo, fica evidente que a postura de muitos políticos caboverdianoss enquadra-se na categoria daqueles que os cientistas políticos anglo-saxões chamam de office-seekers, categoria de políticos que agem sempre a procura de manter ou conquistar cargos, em oposição àqueles que seriam policy-seekers, que propugnam por determinadas linhas de políticas públicas. De facto, os políticos tendo em conta o imperativo de sobrevivência política, em um cenário de incerteza eleitoral passam a considerar a possibilidade de troca de partido nas vésperas das eleições, com base na avaliação acerca do impacto de tal atitude sobre a continuidade de sua carreira política. O argumento de alguns dirigentes do PCD de que a integração no MpD é uma das melhores formas de os dirigentes e quadros militantes do PCD terem alguma voz, intervenção e influencia mais activa no sistema político, não deixa esconder o cálculo de sobrevivência política por parte dos mesmos. Afinal, estamos a verificar uma crescente profissionalização dos políticos no país. (Artigo publicado no Jornal Horizonte, em 20/07/2006)

     Por: Daniel Henrique Costa, Cientista Político

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