quinta-feira, 29 de março de 2007

A verdade é geralmente ouvida mas raramente vista

Com notável capacidade de síntese, a frase do jesuíta espanhol Baltasar Gracián y Morales estabelece um contraste entre falar e fazer, lembrando que verbalizar é muito mais fácil que agir A conhecida expressão popular "falar é fácil, fazer é que é difícil" também assinala a diferença entre os dois atos. Entretanto, o pensador aragonês Gracián (1601-1658) formula seu princípio de maneira precisa, referindo-o à verdade - uma questão que suscita grandes controvérsias e divergências no jogo político: "Fale o que é certo e faça o que é honrado. O primeiro mostra uma cabeça perfeita, o segundo, um coração perfeito. E ambos elevam-se ao nível de um espírito superior." Baltasar Gracián no selo comemorativo ao quarto centenário de seu nascimento, em 2001: "Fale o que é certo e faça o que é honrado" No universo da política, a palavra reina e a realização é sempre mais modesta. Por maior que seja o talento do líder, a excelência de sua oratória e as sutilezas de seu raciocínio, palavras serão sempre palavras e, como tal, estarão sempre sujeitas a contestações também por meio da palavra. Por outro lado, aquilo que pode ser visto e demonstrado na prática impõe-se a qualquer um como a própria verdade. O político prudente nunca permite que suas palavras se afastem demasiadamente de seus atos. Nem no que diz respeito a seu comportamento e seus valores, tampouco no que se refere a seu desempenho político e administrativo. Além disso, ele deve criar o hábito de respaldar idéias e propostas com fatos - e isto precisa se tornar disciplina intelectual e regra de discussão entre seus auxiliares. A lição também vem de Gracián: "As palavras são as sombras dos atos. Os atos são a substância da vida e palavras sábias, o seu adorno". Um dos estereótipos mais comuns aplicado aos políticos é o que o apresenta como um indivíduo de oratória fácil, pomposa e vazia, manejando ardis verbais e uma argumentação incansável. É o "bem falante", o "bom de papo", na irreverente linguagem popular. Por trás deste estereótipo, entretanto, há boa dose de verdade. O político, muitas vezes, deixa-se enganar por sua própria arte de falar, esquecendo-se de que, para manter seu valor, as palavras precisam ser acompanhadas por atos. A advertência serve também para a publicidade política: a propaganda feita sobre um fato, uma realização, é sempre mais confiável para o cidadão do que aquela outra, construída sobre intenções e declarações. O fato e sua imagem falam por si mesmos - e com muito maior força e eloqüência do que o melhor dos discursos. De forma análoga, quando surge uma acusação ou denúncia, dispor de um documento que comprove sua falsidade é incomparavelmente mais forte do que qualquer declaração pessoal, testemunho ou argumento desacompanhado de alguma evidência factual ou documental. Nas reuniões políticas, numa equipe de campanha, por exemplo, as discussões nas quais os argumentos não se amparam em fatos, evidências e informações precisas tendem a se transformar em discussões estéreis, em que se intercambiam palpites, especulações e opiniões como se fossem informações. James Carville e Paul Begala, consultores políticos do então candidato à Casa Branca, Bill Clinton, em 1992, têm uma expressão muito apropriada para descrever os tipos de pessoas que participam de campanhas eleitorais: "Quem sabe faz. Quem não sabe se reúne". Mas a cautela com as palavras não deve nos levar a perder de vista sua importância. Desde que venham referenciadas por atos e fatos, as palavras possuem um enorme poder na política. Principalmente quando elas chegam depois dos atos haverem sido praticados e dos fatos terem ocorrido. Por: Francisco Ferraz (Site: politicaparapoliticos)

O "caso Dreyfus" e a carta de Zola (III)

O escritor Émile Zola, que teve de fugir para a Inglaterra para não ser preso, e voltou para a França em 1899, morreu em 29 de setembro de 1902, sem ter visto a reabilitação de Dreyfus, pronunciada em 1906. A França e o mundo nunca mais seriam os mesmos depois do Caso Dreyfus. A mobilização da opinião pública, pelo uso dos meios de comunicação de massa, tornou-se uma arma política poderosa e começou a ser praticada nos mais diversos cantos do planeta e pelos mais diversos motivos. A carta de Zola Paris, 13 de janeiro de 1898 Carta a M. Félix FaurePresidente da República Francesa Senhor, Permiti-me que, agradecido pela bondosa acolhida que me dispensou, preocupe-me mais com a vossa glória e vos diga que vossa estrela, tão feliz até hoje, está ameaçada pela mancha mais vergonhosa e inapagável. Saístes são e salvo de baixas calúnias e conquistastes corações. (...) Mas que mancha de lodo sobre o vosso nome pode imprimir este abominável processo Dreyfus! Desde logo um Conselho de Guerra se atreve a absolver a Esterhazy, numa bofetada suprema em toda a verdade, em toda a justiça. E não há remédio; a França vai conservar esta mancha e a história vai registrar que semelhante crime social foi cometido ao amparo da vossa presidência. Já que se agiu sem razão, falarei. É meu dever: não quero ser cúmplice. Todas as noites eu veria o espectro do inocente que expia cruelmente torturado, um crime que não cometeu. Por isso me dirijo a vós gritando a verdade com toda a força da minha rebelião de homem honrado. Estou convencido de que ignorais o que ocorre. Mas a quem denunciar as infâmias desta turba de malfeitores, de verdadeiros culpados, senão ao primeiro magistrado do país?! (...) Antes de tudo, a verdade sobre o processo e a condenação de Dreyfus. (...) Procedeu-se a um minucioso registro, examinando-se as caligrafias. Aquilo era como um assunto de família e se buscava o traidor nos mesmos escritórios para surpreendê-lo e expulsá-lo. A partir do momento em que uma leve suspeita recaiu sobre Dreyfus, aparece o comandante Paty de Clam, que se esforça para confundi-lo e fazê-lo confessar. Aparece também o ministro da Guerra, o general Mercier, cuja inteligência deve ser muito mediana, o chefe do Estado Maior, general Boisdeffre, que por certo cedeu à sua paixão clerical, e o general Gonse, cuja consciência elástica pode acomodar-se a muitas coisas. O comandante Paty de Clam prende Dreyfus e o deixa incomunicável. Corre depois em busca da senhora Dreyfus e lhe infunde o terror, prevenindo-a de que se falar sobre o assunto, seu marido estará perdido. De sua parte o infeliz proclama em alaridos a sua inocência, enquanto a instrução do processo se faz como a crônica do século XV, em meio ao mistério, com uma terrível complexidade de expedientes, tudo baseado numa suspeita infantil, na nota suspeita... (...) Dreyfus conhece várias línguas: é um crime; em sua casa não encontram papéis comprometedores: é um crime; algumas vezes visita sua terra: é um crime; e trabalhador, tem ânsia de saber: é um crime; não se perturba: é um crime. Tudo é crime, sempre crime. Falaram-nos de 14 acusações e não aparece mais que uma: a nota manuscrita suspeita. Os peritos não estão de acordo e um deles, M. Gobert, foi atropelado militarmente porque se permitia opinar em contra o que se desejava. Assim, pois, somente restava a nota suspeita, acerca da qual os peritos não estavam de acordo.(....) Para justificar a condenação fala-se da existência de um documento secreto, arrasador, um documento que não se pode publicar e que justifica tudo e ante o qual todos devemos nos inclinar. (...) O primeiro Conselho de Guerra pode ter-se equivocado, mas o segundo mentiu. (....) Por isso, repito, Dreyfus não pode ser inocente sem que todo o Estado Maior apareça como culpado. (....) Tal é a verdade, senhor presidente.(...) Não creia V., Exa. Que eu desespero do triunfo. Eu repito com uma certeza que não permite a menor vacilação: a verdade avança e nada poderá detê-la. Quanto mais duramente se oprime a verdade, mais força ela ganha, e a explosão será terrível. Veremos como se prepara o mais ruidoso dos desastres. Senhor presidente, concluo, que já é tempo: Eu acuso o Ten. Coronel Paty de Clam, como agente do erro judicial e por haver defendido sua obra nefasta por três anos com maquinações insanas e culpadas. Eu acuso o general Mercier por haver-se tornado cúmplice, ao menos por fraqueza, de uma das maiores iniqüidades do século. Eu acuso o general Billot de haver tido em suas mãos as provas da inocência de Dreyfus, e não as haver utilizado, fazendo-se, portanto, culpado pelo crime de lesa-humanidade e de lesa-justiça, com o fim político de salvar o Estado Maior comprometido. Eu acuso o general Boisdeffre e o general Gonse por tornarem-se cúmplices do mesmo crime, um por fanatismo clerical e outro por espírito de corpo, que faz dos escritórios do Ministério da Guerra uma arca santa e inatacável. Eu acuso o general Pellieux e o comandante Ravary por haverem fabricado uma informação infame, uma informação parcialmente monstruosa, na qual o segundo lavrou o imperecível monumento de sua torpe audácia. Eu acuso os três peritos calígrafos, os senhores Belhomme, Varinard e Couard por seus pareceres enganadores e fraudulentos, a menos que um exame médico os declare vítimas de uma cegueira dos olhos ou do juízo. Eu acuso o Ministério da Guerra por haver feito na imprensa, particularmente no L' É Clair e no L'Echo de Paris, uma campanha abominável, enganando a opinião pública para cobrir a sua falta. Eu acuso o primeiro Conselho de Guerra por ter condenado um acusado, com fundamento num documento secreto. E Eu acuso o segundo Conselho de Guerra por haver coberto esta ilegalidade, cometendo o crime jurídico de absolver conscientemente um culpado (Esterhazy). Eu não ignoro que ao formular estas acusações atraio sobre mim os artigos 30 e 31 da Lei de Imprensa, que se referem aos delitos de difamação. Voluntariamente ponho-me à disposição dos Tribunais. Um só sentimento me move: o desejo de que se faça luz. Meu ardente protesto nada mais é que um grito de minha alma. Que se atrevam a levar-me aos Tribunais e me julguem publicamente. Assim espero. Émile ZolaParis, 13 de janeiro de 1898 Por Francisco Ferraz (site: politicaparapoliticos)

O "caso Dreyfus" e a carta de Zola (II)

Os primeiros defendiam os direitos individuais e não acreditavam numa sociedade na qual não houvesse o respeito pelo indivíduo. Já o segundo grupo, acreditava que o indivíduo deveria ser sacrificado em nome de algo maior, como uma instituição, país ou estado. A síntese dessa teoria estava nas palavras do monarquista Charles Maurras: L'individu ne doit pas primer l'État (O indivíduo não deve sobrepor-se ao Estado). Os direitos do homem No dia 4 de junho de 1898, um grupo de políticos e intelectuais franceses lançaram um manifesto em "apoio a qualquer pessoa cuja liberdade esteja ameaçada ou cujo direito tenha sido violado". Era o nascimento da Liga pela Defesa dos Direitos do Homem. A reação do grupo contrário, também composto por homens de letra e políticos, veio com a criação da Liga da Pátria Francesa, cujo slogan principal era "a violência a serviço da razão". Eu acuso O movimento a favor de Dreyfus ganhou um reforço de peso quando, na manhã do dia 13 de janeiro de 1898, a capa do jornal L'Aurore estampava um artigo assinado pelo maior escritor do momento na França, Émile Zola. O jornal vendeu na manhã seguinte 300 mil exemplares, um recorde de circulação européia. O artigo era uma carta aberta ao presidente da República e tinha como título Eu Acuso! (J'Accuse!). Ao final, após relatar a verdade dos fatos do processo Dreyfus, Zola, num gesto de inusitada coragem, acusa pessoalmente toda a cúpula do exército francês, atraindo contra si toda a ira da direita francesa. O texto do escritor responsabilizava o presidente Félix Faure e outras autoridades militares por não terem feito justiça com o capitão Dreyfus. Uma de suas frases passará à posteridade: "A verdade se pôs a andar e nada a deterá". Os franceses ficaram perplexos com a coragem de Zola, o criador do romance social, autor de um vasto painel literário sobre os despossuídos e um articulista rigoroso e apaixonado. A guerra de opiniões chegava ao seu auge. No dia seguinte da publicação do artigo de Zola, uma centena de intelectuais franceses assinaram, em apoio a Dreyfus, o Manifesto dos Intelectuais. Entre as assinaturas estavam as de Marcel Proust e Anatole France. A reabilitação de Dreyfus Depois de toda essa mobilização, Dreyfus foi trazido de volta à França para um novo julgamento. No dia 8 de agosto de 1899, foi condenado novamente, mas não havia mais clima político para enviá-lo de volta à Guiana Francesa. A pressão agora não era só interna e vinha de países vizinhos também. No mês seguinte, no dia 19 de setembro, o presidente da República se viu obrigado a indultá-lo. Dreyfus foi libertado, porém, não foi readmitido no exército francês. Em 1905, o Partido Radical vence as eleições e separa definitivamente o Estado da igreja Católica, que havia tido grande participação na campanha anti-semita dos anti-dreyfusards. Isso criou o clima para que Dreyfus fosse finalmente readmitido no Exército e promovido a major. Por Francisco Ferraz (site: politicaparapoliticos)

O "caso Dreyfus" e a carta de Zola

Fato deu impulso ao processo de mobilização da opinião pública É natural, hoje em dia, assistirmos a mobilizações sociais pelas mais diversas causas. Em todo o planeta, e a todo o momento, grupos se organizam para evitar ou começar uma guerra, defender o ambiente, pedir mais segurança ou derrubar algum político corrupto. No entanto, poucos sabem que uma "cause célèbre", ocorrida na França do final do século 19, deu impulso e marcou, de maneira definitiva e emblemática, o processo de mobilização da opinião pública. O Caso Dreyfus Em 1894, em Paris, o serviço secreto francês descobriu, na lata de lixo do adido militar alemão, um manuscrito (bordereaux) onde constava uma lista de documentos com informações sigilosas que poderiam ser entregues ao governo da Alemanha em troca de compensações financeiras. O governo da França abriu uma investigação que chegou ao nome de Alfred Dreyfus, um discreto capitão de artilharia, francês da Alsácia, de origem judaica, que poderia ter acesso àquelas informações. A única prova contra ele se apoiava na semelhança caligráfica. Mesmo alegando inocência, Dreyfus foi detido e levado a um conselho de guerra. Em dezembro de 1894 foi condenado como traidor. No ano seguinte, foi degradado e condenado à prisão perpétua numa ilha da Guiana Francesa, então conhecida como "Inferno Verde". A reação Em 1896, um grupo de pessoas, unidas em torno da esposa de Dreyfus, manteve o caso vivo frente à opinião pública, defendendo a inocência do acusado e reclamando por um novo julgamento. O caso Dreyfuss dividiu a França, alinhando em posições pró e contra Dreyfus, as divisões políticas francesas e os grupos sociais. A direita, composta da nobreza, do clero, dos anti-semitas, e dos militares apoiavam o Estado maior do exército francês, e se opunham a qualquer revisão do processo. A esquerda, os liberais, os socialistas, os republicanos, os anti-clericais defendiam a revisão e denunciavam a injustiça da sentença. Ainda em 1896, um outro oficial do estado maior, o tenente-coronel George Picquart, assumiu a chefia do serviço secreto. Picquart, sem muito esforço, revendo as provas do caso, chegou à conclusão de que o verdadeiro traidor era o major Walsin Esterhazy e não Dreyfus, encontrando ainda indícios de que Esterhazy era um espião a serviço da Alemanha. No entanto, a cúpula do exército francês recusou-se a reabrir o processo. Para o Estado Maior, reconhecer publicamente o erro equivaleria a uma desmoralização do Exército, e, por conseqüência, um enfraquecimento da França. A discussão em torno do caso ganhou força com a descoberta de Picquart e espalhou-se por todo o país. Não se falava outra coisa na França daquela época. Além do povo, toda a "intelligentsia" francesa entrou na discussão. Os debates eram violentos, de um lado estavam os dreyfusards, que acreditavam na inocência de Dreyfus, e do outro os anti-dreyfusards, um grupo de monarquistas, clericais, nacionalistas e anti-semitas, ligados aos setores mais extremados do Exército francês. Por Francisco Ferraz (site: politicaparapoliticos)

O que é parlamentarismo mitigado?